terça-feira, 18 de março de 2008

Deus no Budismo

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"As religiões são caminhos diferentes convergindo para o mesmo ponto. Que importância faz se seguimos por caminhos diferentes, desde que alcancemos o mesmo objetivo?"

(Mahatma Ghandi)




O conceito de Deus não é algo uniforme. Existem tantas versões de Deus como pessoas que acreditam nessas versões, já que o conceito de Deus nunca tem sido algo estático. Tal e como escreve Karen Armstrong em A History of God (Uma história de Deus): “Porém, parece que criar deuses é algo que os seres humanos sempre têm feito. Quando uma idéia de deus deixa de funcionar, simplesmente é substituída. Estas idéias desaparecem tranqüilamente e sem grandes estardalhaços, tal e como aconteceu com a idéia do Deus do Firmamento. Em nossos tempos atuais, muitas pessoas diriam que o Deus adorado durante séculos por judeus, cristãos e muçulmanos tornou-se tão distante como o Deus do Firmamento “

Armstrong conclui como segue: “Os seres humanos não podem resistir o vácuo e a desolação, e preencherão esse vácuo com a criação de um novo foco para dar sentido às coisas. Os ídolos do fundamentalismo não são bons substitutos para Deus. Se devemos criar uma vibrante nova fé para o século 21, talvez deveríamos ponderar a história de Deus para extrair algumas lições e alertas.

Quando aos budistas nos perguntam se acreditamos em Deus, tendemos a responder com nossa própria pergunta: A que Deus se refere?

Trata-se do Deus de Abraham, o Deus do Velho Testamento? Este deus era um pai rigoroso, criador, protetor, que castigava e outorgava leis. Este deus também exigiu a Abraham que sacrificasse seu filho, Isaac, e autorizou a conquista e chacina de milhares de pessoas.

Trata-se do Deus de Agustín, o Deus da Igreja Cristã primitiva? Este era o deus da igreja poderosa, herdeira dos remanescentes do império romano. Este Deus julgava à toda a humanidade, baseado no pecado original de Adão. A religião baseada neste deus exige que nos consideremos como fundamentalmente falhos e originalmente pecaminosos.

Trata-se do Deus de Michelangelo, um deus pessoal, tal e como aparece pintado no teto da Capela Sistina? Este conceito de Deus ajudou a desenvolver o humanismo liberal tão altamente valorizado no Ocidente. Ajustou-se bem a uma Europa que despertava e expandia-se. Este deus ama, julga, castiga, vê, ouve, cria e destrói, tal e como nós o fazemos. Este deus inspira. Porém, isto também poderia significar um impedimento se presumimos que este deus quer o que nós queremos, e detesta o que nós detestamos, o que validaria nossos preconceitos, em vez de incentivar-nos a superá-los. O fato de que este Deus “pessoal ” é homem (e usualmente da raça branca) tem criado profundos problemas existenciais tanto para as mulheres, como para aqueles que não são de raça branca.

Trata-se do Deus onipotente que alguns teólogos acreditam morreu em Auschwitz? Para alguns, a idéia de um Deus todo sapiente e todo poderoso é difícil de reconciliar com a maldade do Holocausto. Isto é assim, já que se Deus é verdadeiramente onipotente, ele poderia ter evitado essa desgraça. E se não conseguiu evitá-la, é impotente; e se podia evitá-la, mas optou por não fazê-lo, não é benevolente.

Igualmente, nosso rápido avanço no conhecimento científico sobre o universo torna aparente que Deus já não está “lá em cima ”, nem “lá fora ”. Nos céus parece estar ausente a protetora, julgadora, e zelosa presença divina, tal e como a concebia o mundo antigo. Segundo John Shelby Spong, bispo episcopal e autor de Why Christianity Must Change or Die (Por quê o Cristianismo tem que mudar ou morre), o resultado disto é que dezenas de milhões de pessoas são “crentes no exílio ” que têm perdido contacto com estas imagens de Deus, tal e como são ensinadas desde os púlpitos tradicionais; porém, esses mesmos crentes não estão preparados para abandonar o conceito de Deus em sua totalidade.

Tal e como uma serpente muda a pele no processo de crescimento, no presente, somos testemunhas do crescimento de nosso conceito coletivo de Deus, ao deixar para trás a antiga, e para alguns, inadequada noção que tínhamos, enquanto nasce um novo conceito que ainda não está claro? Há quem acredita que, de fato, nesta era pós-moderna uma nova visão de Deus está em processo de emergir. Esta visão deixa para trás as imagens do teísta, histórico e externo Deus das alturas, e as substitui por imagens com profundidade interna de um deus que não está fora, mas que é parte integrante e fundamental de nós. Esta é uma perspectiva muito consistente com o conceito budista da Lei Mística.

Esta Lei Mística é a entidade ou verdade máxima que impregna todos os fenômenos no universo, e não é um ser personificado. O ser humano e esta Lei máxima são supremamente inseparáveis – não existe brecha alguma entre os seres humanos (todos, sem exceção) e esta idéia de Deus como uma Lei Mística.

Esta verdade eterna e inalterável que reside dentro de nós é a fonte onde podemos obter a sabedoria benevolente que concorde com as circunstâncias cambiantes, assim como conquistar a coragem e confiança para viver de acordo com essa sabedoria. É mística, e não mágica, já que a totalidade desta Lei está além da conceição humana, e os esforços por enquadrá-la em forma humana, por assim dizê-lo, somente a restringe e a limita. É uma lei porque é manifestamente verificável nas vidas cotidianas de cada ser humano.

Esta realidade máxima, verdade máxima, pureza máxima, existe nas profundezas de cada ser humano. Por isto nós budistas consideramos que toda pessoa é sagrada e está igualmente dotada com o potencial de atingir a iluminação e ser maravilhosamente feliz. Não existe tal coisa como nós aqui e eles lá, nem tampouco os fiéis e os incrédulos – todos somos filhos e filhas de Deus, entidades da Lei Mística.

Enquanto outros olharam para os céus, Buda olhou para dentro e encontrou a inestimável jóia da maravilha e o potencial humano. Reconheceu que nós também somos feitos da “matéria prima ” divina da qual é feito o universo. Simplesmente, esquecemos quem éramos.

Portanto, acreditamos em Deus? Segundo a maioria das definições tradicionais, não. Mas em termos de como um crescente número de cristãos conceitua Deus, acreditamos sim. Nosso nome para Deus é Nam-myoho-rengue-kyo, a Lei Mística. Acreditamos que existe tanto “aqui dentro ”, como “lá fora ”, e que esta luz interior pode brilhar de dentro quando nos conscientizamos dela e lhe abrimos nosso coração através do ato de recitar Nam-myoho-rengue-kyo.

Certamente, haverá muita gente para quem esta maneira de compreender Deus será inaceitável. Tudo bem. Mas também haverá muitos para os quais isto repercutirá. Gente que encontrará que realmente deixou de aceitar as versões iniciais de Deus; que têm começado a conceber o universo de forma diferente; e que o conceito de Deus como Lei Mística equipara-se com o entendimento que têm alcançado por conta própria. Descobrirão que de maneira muito precisa, em nosso ser espiritual a Lei Mística pode preencher o vácuo com forma de deus.


extraído do site sobre "Budismo"

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