Jaqueline Negreiros
É interessante perceber como alguns objetos, cheiros e músicas nos remetem às lembranças do passado.
No pequeno apartamento em que morávamos, na capital de São Paulo, havia pregado na parede um quadro que retratava uma menina de cabelos longos e tinha em suas mãos uma fita vermelha.Durante muitos anos convivi com esta pintura sem tomar conhecimento de sua autoria. Quando questionava quem era, meus pais em tom de "narrativa infantil" limitavam-se a dizer:-"É você, minha filha". O interessante é que a mesma resposta era dada para minha irmã e eu nem sequer questionava sua veracidade. Me dava por satisfeita em saber que tinha uma pintura feita pra mim.
Quando fiquei um pouco "maior" dizia para os meus pais que a menina da pintura em nada se parecia comigo e, notando minha cara de decepção, insistiam veemente em afirmar que eu estava equivocada. Para dar mais realismo à estória, ou talvez para me poupar de uma resposta negativa, meu pai tratou de fabricar uma pulseira prateada igual a que a menina da pintura usava.
Fim de caso. Estava totalmente convencida do meu retrato na pintura. As pulseiras eram exatamente iguais!
Depois de anos, já adulta, pesquisando algumas pinturas na internet, me deparei com esse mesmo quadro e notei realmente que não havia nenhuma semelhança comigo, exceto as pulseiras. Vieram todas as lembranças da minha infância...nosso quarto, meu e de minha irmã, que tantas vezes nos serviu de cenário para as nossas brincadeiras, a sala com suas cortinas brancas onde nossa gatinha mostrava suas "habilidades marciais", a cozinha que, em dias especiais, exalava um cheiro muito bom do bolo de rum que minha mãe fazia... e o quadro sempre lá...com a "menina" nos observando...o meu retrato pendurado na parede fazendo parte da nossa história...
E, como costuma-se dizer, "somos o que pensamos ser", não tive dúvidas... Renoir fez uma pintura especialmente para mim...
(ignore o fato da pintura anteceder quase um século ao meu nascimento!)
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